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quinta-feira, 01/02/18

Consolidação da reforma trabalhista deve consumir até cinco anos



Será necessário aguardar entre dois e cinco anos para que a jurisprudência em torno da reforma trabalhista, em vigor desde o dia 11 de novembro de 2017, esteja consolidada. A previsão é de Orlando Tadeu de Alcântara, juiz do trabalho entre os anos de 1993 e 2016, que aponta uma série de incongruências entre as regras aprovadas em julho passado e o que prevê a Constituição Federal. “Acredito que vários artigos dessa reforma deixarão de ser aplicados por serem inconstitucionais”, adianta o advogado trabalhista, que cita, entre outros itens, o que busca dificultar o acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho. Até que isso ocorra, no entanto, caberá aos sindicatos a tarefa de “provocar” o Poder Judiciário. “Não se deve simplesmente esperar que o Poder Judiciário tome essa iniciativa”, recomenda.

Crítico do argumento que aponta o inchaço da Justiça do Trabalho como um dos imperativos para a reforma, ele lembra que seis em cada dez processos que tramitam atualmente têm origem no descumprimento de direitos elementares assegurados por lei aos trabalhadores, o que prova que não são estes os responsáveis pelo número elevado de ações, mas, sim, seus empregadores, por razões diversas.

Ele acredita que, como efeito imediato da reforma, muitos sindicatos terão dificuldade para superar a travessia que, calcula, vá durar aproximadamente três anos. Por outro lado, vislumbra um ponto positivo: o fato de que apenas as entidades efetivamente representativas serão capazes de sobreviver ao fim da contribuição compulsória. “Vai haver uma depuração”, afirma.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade para o site do Sitesemg.

 

Já têm saído algumas decisões relacionadas às novas regras trabalhistas. Algumas acompanham a reforma, outras a contestam. Isso já era esperado?

Era. Em primeiro lugar, devemos lembrar que as leis são feitas por razões sociais, econômicas, políticas ou por simples interferência do capital – aliás, temos inúmeras delas para atender exclusivamente a esse último propósito. É óbvio, entretanto, que uma lei não pode ser endereçada a uma pessoa ou grupo social, pois nesse caso ela perde a característica abstrata que deve conter. E pelo fato de ser generalista, ou seja, valer para todos, quando vai aplicar a lei a um caso concreto cada aplicador pode ter uma leitura diferente da mesma regra. Por quê? Porque ao magistrado é assegurada a prerrogativa do “livre convencimento racional”, ou seja, ele tem liberdade para considerar as circunstâncias que cercam o fato concreto que está sob sua análise. Basta, portanto, que sua decisão esteja fundamentada. Ao mesmo tempo, ao aplicar a lei, o magistrado sofre as influências de sua origem, de sua formação, de sua pretensão como magistrado. Ou seja, ele pode julgar um caso que envolve José e chegar a um determinado veredito, ao passo que a mesma situação, em se tratando de João, pode levar a uma decisão diferente. Por outro lado, esse subjetivismo traz insegurança à sociedade. Para evitar que isso ocorra, constitucionalmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem a função de harmonizar o entendimento das leis e influenciar a maneira como os juízes de tribunais inferiores vão agir diante das diversas situações que chegam até eles no dia a dia. Isso é a jurisprudência. É a lei aplicada ao caso concreto e repetidas vezes interpretada por um tribunal de uma mesma maneira.

 

O que o sr. espera da reforma trabalhista aplicada a casos concretos?

O juiz de primeiro grau é quem tem contato maior com as partes e pelo fato de se inteirar melhor da situação, acaba por compreender melhor um determinado conflito. Além disso, tribunais superiores costumam ser mais conservadores – ou seja, tendem a interpretar as situações mais ao pé da letra –, pelo fato de seus integrantes estarem no Judiciário há muitos anos e pela forma como são recrutados – não por concurso público, mas por indicação –, entre outros fatores. Tradicionalmente, o TST sempre foi mais conservador na aplicação do Direito do Trabalho. Isso mudou um pouco a partir do governo Lula, quando foram recrutadas pessoas mais progressistas, que tinham maior compromisso com o Direito do Trabalho. Hoje, inclusive, em determinadas situações, o TST tem uma postura mais avançada do que tribunais regionais do trabalho e até alguns juízes de primeiro grau. O que espero dessa reforma aplicada? Espero em primeiro lugar que diversos itens que foram aprovados sejam descartados pelo fato de não respeitarem o que está previsto na Constituição.

 

Dê um exemplo.

A Constituição de 88 assegura o amplo acesso à Justiça do Trabalho. E isso não se resume apenas a ter o direito de protocolar um pedido. É ter o direito de protocolar, ter o acompanhamento desse processo por parte de um advogado ou de um defensor público e merecer do Estado a efetiva prestação jurisdicional. E mais, deve se levar em conta a condição econômica de quem recorre à Justiça e a de seu adversário. Não se pode punir alguém por buscar a Justiça do Trabalho. Procedência ou improcedência são contingências absolutamente normais. Eu posso usar bem o meu direito de recorrer à Justiça e perder a ação. Por isso, não tenho dúvida de que no que diz respeito ao acesso à Justiça do Trabalho a reforma é inconstitucional.

 

Há outros exemplos?

Sim. Antes a Justiça podia examinar um acordo coletivo ou uma convenção coletiva e decidir que um determinado artigo não era aplicável por contrariar, por exemplo, normas de saúde e segurança. Logo, aplicava outra. Agora, com as novas regras, não cabe ao juiz analisar o conteúdo, mas se restringir a avaliar se um determinado acordo ou convenção é válido ou não do ponto de vista formal, ou seja, se quem assinou representa ou não uma determinada categoria, se a vigência está correta etc. Isso limita a atuação do Poder Judiciário. E o artigo 5º da Constituição – que trata de direitos e garantias individuais – prevê que nenhuma lei pode subtrair a prerrogativa do Poder Judiciário de apreciar uma lesão ou uma ameaça de lesão. Esta é uma das cláusulas consideradas pétreas, que não podem ser alteradas. Então, o que eu espero da jurisprudência? Primeiro que tanto advogados quanto sindicatos interessados, logo que derem entrada em uma ação, questionem os itens que consideram inconstitucionais. O juiz de primeiro grau terá que examinar. Não cabe a ele avaliar se a lei é boa ou ruim e, sim, se ela é constitucional. O juiz não pode deixar de aplicar a lei, mesmo que ela seja ruim. Mas ele pode dizer: não aplico este artigo em razão da existência do artigo tal da Constituição – que tem supremacia. O que eu acredito é que vários artigos dessa reforma deixarão de ser aplicados por serem inconstitucionais. Mas, para isso, os sindicatos terão que provocar o Poder Judiciário. Não se deve simplesmente esperar que o Poder Judiciário tome essa iniciativa.

 

O que se pode esperar do TST nesse sentido?

Eu acredito que pelo fato de hoje seus membros estarem mais atentos à realidade e à condição social do trabalhador, o TST pode vir a tomar decisões que contemplem seus interesses. Mas não podemos perder de vista que esse é um processo lento. Enquanto isso, muito prejuízo será causado aos trabalhadores.

 

O que a reforma representa para a Justiça do Trabalho?

Não vejo como o fim do Direito do Trabalho, pois essa é uma construção de 200 anos, da Revolução Industrial para cá, mas é um baque muito grande diante dos avanços que obtivemos no último século.

 

É possível prever quando a reforma terá um entendimento mais consolidado?

Não. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso é o relator de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) impetrada pela Procuradoria Geral da República (PGR) que questiona alguns itens da reforma. Ele liberou o voto para o plenário, então, é possível que em março ou abril, caso a tramitação não seja retardada, isso seja pautado. Pode ser que um ou outro artigo já perca a vigência a partir dessa decisão. E uma ADIN vincula todo o Poder Judiciário. Agora, no dia a dia, até que tenhamos uma decisão de primeira instância, depois a do TRT e a do TST, é coisa para dois a cinco anos.

 

Como viu a decisão tomada por uma juíza de primeiro grau em Lages (SC) que mandou descontar o Imposto Sindical em março, por considerar sua extinção inconstitucional?

É uma tese interessante, por ter fundamento técnico, mas não acho que os tribunais superiores vão acatá-la. De fato, o Imposto Sindical tem natureza tributária, pois é de caráter público e é fiscalizado pelo poder público. Tomara seja confirmada. Por outro lado, acho que a saída para o movimento sindical não é ficar esperando decisões como essa e, sim, trabalhar em outra frente. As centrais devem lutar pela regulamentação da contribuição confederativa, prevista no artigo 8º da Constituição, que vincula toda a categoria, uma vez que os benefícios de uma convenção coletiva se estendem aos não-sócios, em razão do princípio da unicidade sindical. Isso traz a grande vantagem de preservar os sindicatos que verdadeiramente representam suas categorias e extirpar aqueles que são meramente cartoriais. Basta ter a aprovação de uma assembleia e evitar abusos.

 

Mas os sindicatos têm feito isso.

Sim, embora o STF tenha decidido que a contribuição só é válida para associados da entidade sindical. Os sindicatos não têm seguido essa determinação porque não se trata de uma decisão vinculativa. Por outro lado, as empresas também padecem do mesmo problema, elas também têm que sobreviver. Portanto, elas também têm interesse que a contribuição permaneça.

 

Que setores da economia tendem a se beneficiar mais da reforma trabalhista?

Todos os setores organizados. Por exemplo, o turno de 12×36 horas, que agora é permitido, era uma excepcionalidade há 20 anos. O Judiciário passou a autorizá-lo desde que se tratasse de uma norma coletiva. Hoje basta que esteja previsto no contrato individual. Quem vai se beneficiar disso? O setor de prestação de serviço. Os sindicatos, por sua vez, não vão saber mais o que a empresa está descumprindo, já que a homologação da rescisão deixou de ser obrigatória. O direito de homologar era importante porque naquele momento o sindicato tinha ciência de quantos haviam sido dispensados, o que a empresa estava pagando, o que não pagava… agora não vai haver mais esse controle. E, a meu ver, o fundamental – e pior – é o negociado frente ao legislado. Qualquer aspecto pode ser negociado. E o trabalhador não terá força para se recusar a aceitar determinadas imposições patronais. A terceirização é outro baque considerável.

 

Quem advoga em favor da reforma fala da necessidade de desinchar a Justiça do Trabalho. O argumento é plausível?

Não, esse argumento foge por completo das estatísticas da Justiça do Trabalho. O movimento é mesmo grande, mas cerca de 60% no país todo se dá em razão do descumprimento de verbas rescisórias (férias, 13º, FGTS), ou seja, direitos elementares que deveriam ser cumpridos. Se não houvesse isso, seis a cada dez pessoas que recorrem à Justiça do Trabalho não o fariam.

 

Podemos dizer, então, que os principais responsáveis pelo dito inchaço são os empregadores?

Não há dúvida. A Justiça está assoberbada justamente em razão desse tipo de conflito. E deveria haver uma penalidade forte para que os empregadores se sentissem obrigados a pagar as verbas rescisórias. Temos hoje na Região Metropolitana de Belo Horizonte 80 juízes julgando ações trabalhistas. Cada um recebeu em 2017 cerca de 1,3 mil processos. Logo, são aproximadamente 100 mil processos e, destes, 60 mil se referem a verbas rescisórias não quitadas. Mas esse argumento não é novo. Em 2001, houve, inclusive, uma CPI presidida pelo então senador Antônio Carlos Magalhães (DEM/BA), que visava extinguir a Justiça do Trabalho. Como qualquer instituição, a Justiça do Trabalho tem defeitos e, portanto, deve ser aperfeiçoada, mas já naquela época ficou claro que o problema não era aquele. A partir de 2003, curiosamente, com a reforma do Judiciário, a Justiça do Trabalho cresceu – não em estrutura, mas em poder de importância, e passou a julgar também questões que não dizem respeito estritamente à relação entre empregador e empregado. Ou seja, houve uma ampliação de sua competência e situações que envolviam profissionais liberais ou dano moral por acidente, por exemplo, passaram a ser analisados pela Justiça do Trabalho. Isso incomodou o segmento mais atrasado do empresariado.

 

O Dieese prevê que cerca de três mil sindicatos deverão fechar as portas com a reforma e entre 120 mil e 150 mil sindicatários perderão seus empregos. O cálculo é factível?

Acho que vai acontecer porque há aí outra anomalia que talvez seja dos males o menor. Com a liberdade sindical dada pela Constituição de 88, houve uma explosão de sindicatos no Brasil. Partimos, se não me engano, de dois mil e poucos sindicatos de trabalhadores naquela época para algo em torno de 15 mil atualmente. Mesmo tendo uma legislação que assegura a unicidade sindical – ou seja, um único sindicato por categoria em uma determinada base territorial –, a explosão se deu por duas razões principais: pela fragmentação de uma base territorial ou mesmo de uma categoria existente. Inúmeros desses sindicatos que foram criados passaram a existir somente para arrecadar a contribuição sindical. Nesse aspecto acho até positivo que eles deixem de existir, porque contribuíram para fragmentar categorias e, em consequência, o poder de resistência dos trabalhadores, que também diminuiu. Por outro lado, muitos sindicatos que são efetivamente representativos terão muita dificuldade nessa travessia que, calculo, vá durar aproximadamente três anos. Quando tratamos da chamada “elite” sindical, essa vai se adequar, continuará negociando com os empregadores e manterá sua arrecadação. Mas há sindicatos menores, igualmente representativos – no interior, sobretudo – que terão dificuldade. Mas acredito que a longo prazo os sindicatos representativos podem estar ainda mais fortes. Porque cerca de 80% dos que provavelmente serão extintos são entidades que não têm mesmo qualquer capacidade de organização das categorias que dizem representar, ou seja, simplesmente homologam a vontade dos empregadores. Vai haver uma depuração.

 

Quando o grau de exploração é muito intenso, a reação natural dos explorados é se unir.

Sim, é o instinto de resistência.

 

Existem fatores que dificultam o exercício da solidariedade de classe nos dias de hoje?

Existem e creio que deverão permanecer por algum tempo. Um deles é justamente a fragmentação sindical. Não é admissível que num país em que vigora a unicidade sindical existam algo como 15 mil sindicatos. É sinal de que alguma coisa está errada. Outro, que é momentâneo, mas importante nesse momento, é a pouca capacidade de reação dos setores organizados no Brasil. Estamos muito adormecidos e nem quando levamos um beliscão mostramos capacidade de sentir dor. Os sindicatos não estão conseguindo acordar os trabalhadores de modo que percebam o risco que estão correndo. Até a década de 1960, o número de sindicalizados era proporcionalmente maior. Não era nenhum fenômeno, mas era maior. Com o fim da estabilidade no emprego, o rodízio da mão de obra se intensificou e os sindicatos foram afetados por isso. E, ao longo dos anos, os sindicatos não aprimoraram as técnicas de convencimento, que não sei quais são, mas devem existir. De maneira geral, acho que vai demorar até que esse jogo vire. Nem o setor público registra o mesmo índice de sindicalização que teve em outros tempos.




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