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domingo, 10/02/19

MUNDO VAI PRECISAR DE 500 MILHÕES DE EMPREGOS ATÉ 2030



A Comissão Mundial para o Futuro do Trabalho realizou, no quadro da Organização Internacional do Trabalho, um estudo sobre como “trabalhar para um futuro mais promissor”. Sem apresentar soluções milagrosas, a pesquisa permite identificar os grandes desafios, e sugere eixos de ação. O problema das transformações tecnológicas está naturalmente no centro desta busca de caminhos, mas não no sentido simplificador de que a máquina e a inteligência artificial irão substituir o homem. Inclusive, o livro começa com a apresentação de um elenco de previsões sobre o emprego, mostrando que há um leque muito pouco convergente de visões, desde o “fim do emprego” até o simples deslocamento ou substituição de atividades. Ou seja, o próprio ritmo e a amplitude das mudanças não permitem simplificações. De certa maneira, a única segurança é que sim as transformações serão profundas, e que temos de organizar a transição. 

O que é particularmente interessante no documento, é um quadro síntese da situação mundial do emprego e do desemprego. No essencial, o drama não está apenas no futuro, mas em particular na situação herdada. Usando milhões de pessoas como unidade de cálculo, como faz o estudo, temos como ponto de partida uma população mundial de 7500 milhões (7,5 bilhões), dos quais, como ordem de grandeza, podemos considerar 5000 milhões como sendo pessoas em idade de trabalho, entre 16 e 65 anos de idade. Como nem todas as pessoas em idade de trabalho fazem parte da população ativa – mães com vários filhos em casa, por exemplo, podem não estar interessadas em aumentar a sua carga – a população ativa, portanto que trabalha ou está procurando trabalho, pode ser estimada em 3500 milhões, 70% da população em idade de trabalho. (…)

Uma cifra básica, que ajuda a dimensionar os desafios, é que nesta população ativa temos cerca de 2000 milhões de pessoas categorizadas como pertencendo ao “setor informal”. Estamos aqui falando numa imensa massa da população mundial, mais da metade da população ativa, que simplesmente “se vira”. O mundo não está apenas enfrentando um futuro inseguro em termos de emprego, já o enfrenta há tempos, e em escala massiva. Não é possível pensar o problema das migrações, das mortes no mar Mediterrâneo, ou a idiotice da construção de muros pré-históricos, quando há bilhões de pessoas em precaríssimas condições de prover a subsistência das suas famílias, de assegurar direitos sociais, que dirá de uma aposentadoria decente. Não podemos apenas pensar no desemprego adicional causado pelas novas tecnologias, temos de pensar formas amplas de inclusão social, formas inclusivas de desenvolvimento. E não se trata apenas de “conseguir empregar” as pessoas, mas de enfrentar o imenso desperdício que significa a subutilização da capacidade de trabalho e de criatividade de bilhões de pessoas. São imensas oportunidades perdidas no quadro deste desenvolvimento desigual, explorador e excludente. 

O desemprego aberto herdado é igualmente muito significativo. O relatório o estima em 190 milhões de trabalhadores, sendo que 64,8% são jovens. A fragilidade ou inexistência de políticas de transição entre o estudo e o trabalho, de inserção gradual do jovem nas atividades produtivas, gera aqui situações de desespero, de instabilidade social, além de alimentar a busca por soluções individuais em outros países, em vez de estruturar sistemas locais de absorção. Os países mais ricos exploram os mais pobres – o fluxo líquido de recursos continua a ser negativo se levarmos em conta os preços de transferência, endividamento e outros mecanismos – e constroem muros ou cercas para se proteger. A lógica, evidentemente, é de investir no desenvolvimento de capacidades próprias nas regiões mais atrasadas, o que constituiria um horizonte de expansão para os mais ricos. Precisamos, como já apresentou com força o relatório da UNCTAD de 2017, de um novo pacto global, a Global New Deal. 

Fazendo projeções para 2030 – o que em termos de processos de desenvolvimento é amanhã – o relatório estima que será necessária a criação de 344 milhões de novos empregos, além de cobrir o desemprego de 190 milhões atual. Estamos falando de mais de 500 milhões de empregos. Isso nos traz a dimensão real dos desafios, independentemente do processo de desemprego tecnológico que avança. 

E é preciso se referir, evidentemente, ao emprego mal remunerado: segundo o estudo, são 300 milhões de trabalhadores cuja renda é inferior a US$ 1,90 por dia, o que dá algo como 50 dólares ao mês, menos de 200 reais ao mês. Entre 2016 e 2017, o crescimento salarial diminuiu, baixando de 2,4% para 1,8%. As mulheres continuam particularmente discriminadas, ganhando em média 20% a menos que os homens em trabalho equivalente. As condições de trabalho constituem outra área de análise, e a OIT constata que 2,78 milhões de pessoas, quase três milhões, morrem anualmente em acidentes de trabalho ou causadas por doenças profissionais.

O estudo constata igualmente que, no prazo mais longo, a desigualdade continua se aprofundando. Entre 1980 e 2016, o 1% mais rico aumentou seus rendimentos em 27%, enquanto os 50% mais pobres tiveram uma progressão de apenas 12%. Este último dado na realidade se apoia em outros estudos. Aqui, melhor que a OIT, é ver as fontes recentes levantadas pelo banco suíço Crédit Suisse, as análises da Oxfam e os estudos de Piketty e outros. Apresentados em Davos em janeiro 2019, os dados mostram que 26 pessoas têm mais riqueza acumulada do que a metade mais pobre da população mundial. No estudo anterior, eram 42 pessoas. São dados explosivos, e a situação está se tornando insustentável pelo planeta afora.

Portanto muito além de discutir de quantos porcentos e em que setores se perderão empregos, temos de pensar o novo pacto global necessário, que é a tônica do documento da OIT. Quanto ao que fazer, as propostas são elencadas: investir na formação das pessoas, expandir (e não reduzir!) as políticas sociais, investir nas instituições de representação e reorientar os incentivos com centralidade nas pessoas, no trabalho “decente e sustentável”.

Coincidentemente leio hoje uma coluna no New York Times, um artigo que coloca a questão de para que servem os bilionários: “Um bilhão de dólares é espantosamente mais do que qualquer pessoa necessita, mesmo levando em conta os luxos mais excessivos. É muito mais do que qualquer pessoa possa razoavelmente dizer que merece, por mais que acredite que contribuiu para a sociedade. A partir de um nível de riqueza extrema, o dinheiro inevitavelmente corrompe. Na direita ou na esquerda, permite comprar poder político, silenciar protestos, e serve essencialmente para perpetuar o crescimento de sempre mais riqueza, frequentemente sem nenhuma reciprocidade em termos de bem estar social.” (Abolish Billionaires – Farhad Manjoo – NYT Feb 6, 2019 – https://www.nytimes.com/2019/02/06/opinion/abolish-billionaires-tax.html).”

Só para lembrar, tínhamos em 2012, em paraísos fiscais, entre 21 trilhões e 32 trilhões de dólares, dinheiro que gira nos sistemas financeiros, e que basicamente nem é investido na produção nem paga impostos. Dinheiro em paraísos fiscais serve essencialmente para evasão fiscal, especulação financeira e lavagem de dinheiro. O PIB mundial, em 2012, era de 73 trilhões. Não é dinheiro que falta. 

Como aparece em tantas publicações, este sistema já ultrapassou a sua data de validade. Encontrei por acaso um tweet com esta pérola: “A pobreza existe não porque não temos como alimentar os pobres, e sim porque não temos como satisfazer os ricos”.

Leiam o relatório da OIT, ajuda muito a adquirir um certo recuo relativamente aos nossos dramas:
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—cabinet/documents/publication/wcms_662442.pdf 

Texto Ladislau Dowbor
Fonte Carta Maior




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