A corrupção que não interessa mostrar
Em entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), no último dia 26, o juiz federal Sérgio Moro afirmou de forma enfática que a Operação Lava Jato identificou desvios de R$ 6 bilhões em recursos públicos. O número não é desprezível, especialmente para um país que convive com tamanhos problemas, de que são vítimas especialmente os mais pobres. No entanto, o que a Operação Lava Jato apurou nem de longe chega a ser o principal escoadouro de recursos públicos no Brasil. Senão vejamos.
Comparado aos prejuízos causados por empregadores à Previdência Social, os R$ 6 bi – aos quais Moro fez questão de acrescentar um ponto de exclamação durante a entrevista – identificados na Lava Jato representam um montante 75 vezes menor. De acordo com o relatório final da CPI da Previdência, apresentado em novembro passado, empresas privadas deviam R$ 450 bilhões ao INSS naquele mês. Os débitos resultavam de duas situações distintas: muitos empregadores não pagam a contribuição devida e, mais grave ainda, há vários deles que retêm o que descontam dos salários dos empregados em benefício próprio – ou seja, cometem crime de apropriação indébita.
Para se ter uma ideia, a Previdência deixou de arrecadar pelo menos R$ 30,4 bilhões em 2015 pelo fato de empregadores terem descontado a contribuição de seus empregados e não terem repassado os valores ao INSS, conforme determina a lei. Naquele ano, ante uma expectativa de arrecadação de R$ 90,6 bilhões, R$ 60,2 bilhões chegaram efetivamente aos cofres do órgão. A diferença corresponde a aproximadamente 33% do que a Previdência teria a arrecadar dessa maneira, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).
Ainda de acordo com a entidade, a sonegação cresce na medida em que o governo não recompõe o quadro mínimo necessário para fazer cumprir a lei. Atualmente, a Receita Federal conta com 9,7 mil auditores responsáveis pelo controle de todos os desvios – ou seja, não apenas previdenciários –, ao passo que o número recomendado pelo Ministério do Planejamento é de no mínimo 20 mil, dada a dimensão continental do território brasileiro.
Na época em que o relatório da CPI da Previdência foi divulgado, o senador Paulo Paim (PT-RS) – que relatou os trabalhos – lamentou o fato de os maiores veículos de imprensa não terem dado a devida importância aos seus resultados, mas não estranhou tal posicionamento. Ele lembrou que os grandes devedores da Previdência são também clientes da mídia – por isso, a pequena repercussão dada ao assunto. “Sabíamos que uma CPI deste vulto não teria cobertura da grande imprensa”, afirmou ao portal do Senado (leia aqui).
Comparado, então, ao tratamento dado à dívida pública brasileira – um gigantesco esquema de corrupção institucionalizada (confira aqui), conforme aponta há vários anos a Auditoria Cidadã da Dívida, movimento fundado pela auditora aposentada da Receita Federal Maria Lúcia Fattorelli –, o que a Lava Jato revelou parece troco.
Em 2017, para se ter um exemplo, o Orçamento Geral da União previa despesas de R$ 3,415 trilhões. Destes, 39,7% (ou R$ 1,355 trilhão) foram destinados a juros e amortizações da dívida. Se fizermos a conta, cabem aí nada menos do que 225 operações Lava Jato.
É evidente que nenhum tipo de corrupção deve ser tolerado. Mas concentrar nossas atenções única e exclusivamente nos escândalos apurados na Lava Jato e desconsiderar outras fontes de desvio de recursos públicos que aos donos do poder não interessa mostrar não ajuda a resolver os gravíssimos problemas que precisamos enfrentar. É bom ficar de olho.
Maurício da Silva Gomes
Presidente do Sitesemg